É falso vídeo que afirma que as eleições são manipuladas pelo crime organizado
Em vídeo publicado no YouTube no dia 16 de setembro de 2025, em um canal chamado “A Voz do Preso”, um suposto ex-servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirma que as eleições no Brasil são manipuladas pelo crime organizado. O esquema funcionaria por meio de alteração de software das urnas eletrônicas e de compra “massiva” de votos em regiões estratégicas. O conteúdo é falso, com indícios claros de geração de voz e imagens por inteligência artificial (IA).
No vídeo, a voz do suposto analista de sistemas se apresenta como Carlos Eduardo Ferreira, que teria trabalhado por 12 anos no TSE, inclusive como “coordenador técnico de manipulação eleitoral”, até se aposentar em junho de 2020, aos 40 anos. Nos registros do TSE, não consta nenhum analista de sistemas com esse nome que tenha se aposentado nessa data e com essa idade.
Não é possível alterar os softwares que funcionam dentro da urna eletrônica. Há diversas camadas de segurança altamente sofisticadas que impedem qualquer tipo de fraude. Entenda aqui em detalhes como esse sistema de segurança funciona. E, mesmo que alguém conseguisse quebrar todas essas barreiras e fizesse alguma alteração nos programas, há um hardware dentro da urna, chamado módulo de segurança embarcado, que faz uma verificação assim que o equipamento é ligado. Se houver qualquer alteração, por menor que seja, a urna não funciona.
A voz do narrador, provavelmente gerada por IA, diz que, além de instalar versões modificadas do software em urnas de regiões estratégicas, eram instalados também sistemas que apagavam os rastros da manipulação. Porém, não seria possível fazer isso sem deixar rastros. Em informática, não existe mágica: para executar qualquer operação, é preciso que exista um comando escrito, e isso deixa rastros.
Além disso, é possível fazer diversas auditorias nas urnas antes, durante e depois da eleição. Uma delas é o Teste Público da Urna, em que especialistas em tecnologia da informação são convidados a tentar quebrar as barreiras da urna para identificar possíveis vulnerabilidades — até hoje, nunca foi encontrada nenhuma falha de segurança capaz de alterar o resultado da eleição. Desde 1996, quando as urnas eletrônicas foram usadas pela primeira vez, nunca foi comprovada nenhuma fraude.
No vídeo, o suposto narrador afirma também que o sistema de manipulação controlava diretamente 5 milhões de votos em todo o país, sendo 2 milhões por alterações técnicas nas urnas e 3 milhões por meio de intimidação de eleitores, mesários e fiscais dos partidos em regiões controladas pelo crime organizado. E que técnicos do TSE e fornecedores de empresas endividados também eram persuadidos a participar do esquema.
No entanto, nem os mesários nem os fiscais de partidos têm qualquer possibilidade de alterar os votos digitados na cabina pelas eleitoras e eleitores. O voto é sigiloso e não há como descobrir em quem cada pessoa votou. E, para garantir ainda mais a segurança dos sistemas eleitorais, nenhum técnico do TSE tem acesso a todas as etapas do desenvolvimento dos programas. O conhecimento é compartimentalizado, impedindo que um eventual infiltrado seja capaz de tentar fraudar o sistema. As empresas que fornecem os equipamentos tampouco têm acesso aos programas que fazem a urna funcionar, elas fornecem apenas o hardware, não o software, que é desenvolvido pelo TSE.
O vídeo traz ainda diversas inconsistências, como datas de aposentadoria incompatíveis e contraditórias ou a afirmação de que em novembro de 2020 o suposto servidor teria coordenado “operação nacional que elegeu simultaneamente governadores, senadores e deputados em 12 estados”, sendo que na eleição municipal de 2020 foram eleitos apenas prefeitos e vereadores. A voz do narrador também diz que “em novembro de 2016, participei da operação que elegeu 15 prefeitos em cidades controladas por facções criminosa (sic)”, mas as eleições municipais de 2016 ocorreram em outubro — o 1º turno foi no primeiro domingo do mês (2/10) e, nas cidades em que houve 2º turno, a votação foi no último domingo do mês (30/10).
Também há a acusação de que, por meio do esquema criminoso, que estaria espalhado por todos os Tribunais Regionais Eleitorais, eram obtidos dados sobre financiamento de campanhas dos candidatos (que, na verdade, são públicos e ficam disponíveis na internet) e que os criminosos sabiam quem estava sendo investigado (mas a Justiça Eleitoral não faz investigações, apenas organiza as eleições e julga os processos relacionados a elas).
Outras acusações já fartamente desmentidas também são abordadas, como as de que votações expressivas para apenas um candidato em determinadas seções eleitorais seriam indícios de fraudes, o que não corresponde à realidade. Isso é comum especialmente em comunidades com fortes vínculos sociais, como aldeias indígenas e áreas rurais.
O vídeo traz ainda imagens em que supostos policiais federais usam coletes com a identificação “POLISIA FEDERAL” (sic).